Nos últimos 50 anos, o diagnóstico de Lesão Renal Aguda (LRA) foi realizado com base, principalmente, na creatinina. A creatinina, ainda sendo muito utilizada, é um produto de residual da creatina e da fosfocreatina, oriunda do metabolismo muscular e da ingestão de carne. Aproximadamente, 98% da creatina é mantida no músculo e 1,6% a 1,7% desta porcentagem é convertida em creatinina por dia, que é livremente filtrada pelo glomérulo, não sendo reabsorvida e nem metabolizada pelos rins. Porém, aproximadamente 25% da creatinina urinária é proveniente da secreção tubular, sendo mais significativa quando há diminuição da Taxa de Filtração Glomerular (TGF), ou seja, quanto menor for a TGF, maior será a concentração de creatinina. Além da creatinina ser afetada por ser diretamente proporcional a massa muscular (que varia de acordo com a idade, peso, sexo, etnia e condições que afetam a musculatura), para a maioria das formas de LRA, o epitélio tubular renal e não os glomérulos, é o local primário da lesão, indicando que a diminuição da TFG é um indicador insensível e tardio. Dessa forma, depender exclusivamente de alterações no nível sérico de creatinina, pode resultar em um atraso no tratamento da LRA e levar a diagnósticos tardios. 

Dessa forma, depender exclusivamente de alterações no nível sérico de creatinina, pode resultar em um atraso no tratamento da LRA e levar a diagnósticos tardios. Por isso, o nível de creatinina é comparado com outro biomarcador, como a ureia, e também é um parâmetro utilizado em fórmulas matemáticas, como na Equação de Cockcroft-Gault e a Equação de estudo MDRD (Modification of Diet in Renal Disease), que tentam minimizar as diferenças do nível sérico de creatina entre os indivíduos, mas não possui muita eficácia para um diagnóstico com maior sensibilidade e especificidade.

Nos últimos 15 anos, foram feitos muitos estudos para encontrar biomarcadores mais específicos que possam detectar danos agudos no epitélio tubular renal. A Lipocalina associada à gelatinase de neutrófilos (neutrophil gelatinase-associated lipocalin), mais conhecida como NGAL, é uma proteína expressa pelos neutrófilos e células epiteliais, incluindo as células renais do túbulo proximal, tendo como papel fisiológico induzir a redução de lesões de células tubulares, diminuindo a apoptose e aumentando a proliferação dessas células. Essa proteína também pode contribuir para o aumento da captação de ferro e regular a síntese da heme-oxigenase 1, resultando na proteção do rim.

Estudos demonstraram que a NGAL pode ser detectada precocemente em duas horas após a isquemia renal e vários estudos clínicos vêm confirmando que a NGAL é capaz de detectar precocemente a ocorrência de insuficiência renal aguda (IRA) associada a várias situações clínicas, como cirurgia cardíaca e cirurgia cardiopulmonar by pass.

Além disso, foi observado em pesquisas que o aumento dos níveis de NGAL durante a IRA estão correlacionados com o grau de fibrose túbulo intersticial durante a fase crônica da doença renal. É considerado a possibilidade de que a maior sensibilidade da NGAL quando esse biomarcador é avaliado na IRA em crianças, podendo estar relacionada ao fato de que há uma maior prevalência de comorbidades na fase adulta, já que a NGAL tem sua expressão ligada a lesões celulares.

Mesmo a NGAL sendo um biomarcador promissor, estudos com indivíduos gravemente enfermos que associaram a NGAL com à ocorrência de sepse, independentemente do nível da disfunção renal aguda do paciente, o que levou a autores desaconselharem o uso desta proteína como um biomarcador de IRA. Mesmo assim, atualmente estão disponíveis no mercado conjuntos diagnósticos para a determinação de NGAL urinário e plasmático.

A concentração plasmática da NGAL inclui a produção desta proteína em outros órgãos distintos dos rins, enquanto a dosagem urinária reflete com mais fidedignidade a produção renal desta proteína. As desvantagens da dosagem urinária incluem a dificuldade de obtenção de amostra em pacientes com oligúria, o efeito do excesso de hidratação, da desidratação e do tratamento diurético. A determinação de NGAL pode ainda ser útil para monitorar outras doenças renais, como a nefrite lúpica e doença do rim policístico, bem como em outras doenças como tumor cerebral, doença inflamatória do intestino e pré-eclâmpsia.

Apesar da NGAL vir emergindo como um marcador da IRA, novos estudos são necessários para confirmar sua utilidade na prática clínica e definir os cut-off apropriados para diferentes situações clínicas e populações.

A cistatina C é uma proteína inibitória da proteinase da cisteína sintetizada por todas as células nucleadas a uma taxa de produção constante, podendo ser encontrada em vários fluidos biológicos, como soro, líquido seminal e líquido cefalorraquidiano, não sendo afetada pela massa muscular e altera-se muito pouco com a idade, o que é muito vantajoso quando comparado a creatinina. Os principais atributos da cistatina C para marcador bioquímico para avaliar a função renal de filtração glomerular são o pequeno tamanho e alto ponto isoelétrico, os quais permitem que esta proteína seja facilmente filtrada através da membrana glomerular, sendo reabsorvida no túbulo proximal em uma proporção significativa e, então, catabolizada de forma quase total neste sítio, não sendo excretada na urina. Essas características esclarecem a utilização da cistatina C como marcador endógeno para estimar a TFG, não necessitando da coleta de urina, o que soluciona um dos principais problemas dos outros marcadores endógenos da TFG.

Outra vantagem da cistatina C é que não há variação significativa da faixa de referência para homens e mulheres, já que sua produção é constante em todos os tecidos do organismo, diferente da creatinina, que depende da massa muscular. Um estudo recente, envolvendo crianças, mostrou elevação da cistatina C em 12 horas após a circulação extracorpórea naquelas que desenvolveram IRA. Em comparação com NGAL, a elevação da cistatina C ocorre mais tardiamente em pacientes com IRA. Um estudo envolvendo adultos que receberam contraste mostraram um aumento precoce de NGAL urinário – 4 h – e plasmático – 2 h – comparado ao aumento tardio da cistatina C – 8 a 24 h -.

Em um estudo envolvendo 100 adultos que fizeram cirurgia cardíaca, a determinação de NGAL e cistatina C mostraram-se superiores às determinações convencionais de creatinina e ureia na predição de IRA. A molécula de lesão renal, mais conhecida como KIM-1, é uma glicoproteína transmembrana cuja produção é regulada pelo túbulo renal proximal na IRA. A determinação de KIM-1 plasmática ou urinária pode auxiliar na identificação da IRA e, quando está em concentração mais elevada, é usualmente encontrado na IRA isquêmica e na doença renal crônica. Estudos sobre o papel fisiopatológico de KIM-1 listou essa glicoproteína como o biomarcador para a toxicidade tubular proximal com maiores sensibilidade e especificidade, também sendo considerado pelas agências regulatórias para área de saúde norte-americana e europeia como um marcador urinário específico e altamente sensível para monitorar lesões renais induzidas por medicamentos.

A expressão e o nível urinário de KIM-1 também se correlacionam ao dano renal em diversas doenças renais, como nefropatia diabética, glomeruloesclerose focal, nefropatia IgA, rejeição ao enxerto, entre outras. Acredita-se ainda que KIM-1 exerça um papel importante na capacidade de reparo e regeneração dos túbulos renais. Estudos demonstraram que a concentração urinária de KIM-1 elevou em 6 a 12 horas após cirurgia cardiopulmonar/by-pass em pacientes que desenvolvem subsequentemente IRA, de modo similar à elevação de NGAL. A interleucina-18 (IL-18) é uma citocina mediadora da inflamação, liberada no túbulo proximal, sendo utilizada como marcador precoce de lesão renal aguda. Os níveis de IL-18 elevaram-se após seis horas em pacientes que fizeram cirurgia cardiopulmonar/by-pass e desenvolveram IRA. A IL-18 mostrou-se um bom marcador da gravidade da disfunção renal em pacientes com síndrome nefrótica. Em comparação a relação albumina/creatinina urinária e marcadores de lesão tubular, revelou que a IL-18, assim como KIM-1, são específicos para o túbulo proximal e tem sido implicado na lesão de isquemia-reperfusão renal. Apesar disso, a IL-18 é secretada por células do sistema imune e tecidos extra renais em situações como sepse, traumas, após grandes cirurgias, doenças autoimunes e inflamatórias, o que limita a sensibilidade e a especificidade dessa citocina como biomarcador de IRA.

Escrito por: Stephanie Alves Veloso


Referências bibliográficas:

DUSSE, Luci Maria Santana; RIOS, Danvelle Romana Alves; SOUSA, Letícia Parreiras Nunes; MORAES, Rívia Mara Morais e Silva; DOMINGUETI, Caroline Pereira; GOMES, Karina Braga. Biomarcadores da função renal: do que dispomos atualmente?. Revista Brasileira de Análises Clínicas, [s. l.], 2016.

SRISAWAT, Nattachai; KELLUM, Jonh A. The rolê of biomarkers in acute kidney injury. Crit Care Clin, [s.l.], 2020.

 

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