Atualmente, as práticas laboratoriais têm sido aperfeiçoadas e novas técnicas são empregadas para a obtenção de resultados cada vez mais exatos. Porém, as orientações dispensadas ao paciente antes da coleta da amostra são de fundamental importância para um laudo final confiável.

Sabe-se que mais da metade dos erros ou equívocos de resultado ocorre na fase pré-analítica dos exames, o que compreende aspectos relacionados, por exemplo, a orientação do paciente, como o tempo de jejum adequado, a prática de exercícios físicos, o tipo de alimentação e o uso de drogas, sejam para fins terapêuticos ou não. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, o Brasil está entre os países que mais consomem medicamentos no mundo, um reflexo da facilidade de acesso e aquisição desses produtos através das milhares de farmácias distribuídas por todo o país.

Estima-se que mais de três quartos da população faça uso de algum medicamento, com ou sem receita, dos quais se destacam anticoncepcionais, analgésicos, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos e alguns antibióticos, além dos cada vez mais utilizados antidepressivos e ansiolíticos. Esses medicamentos, bem como suplementos e até vitaminas, podem interferir em exames laboratoriais levando a resultados falso-positivos ou resultados falso-negativos.

Para dimensionar a extensão do problema, Donald Young, professor emérito do Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Universidade de Pensilvânia, publicou, ainda em 1997, um artigo científico listando mais de 40 mil exemplos de efeitos secundários de medicamentos em testes laboratoriais.

Dessa forma, os medicamentos são um fator importante na rotina de um laboratório, uma vez que são capazes de alterar o diagnóstico clínico e comprometer o bem estar do paciente, sendo dever do analista químico estar alerta acerca dos possíveis efeitos dos fármacos sobre os testes laboratoriais e dever do paciente, quando bem orientado, relatar o uso de toda e qualquer substância química, sem, no entanto, interromper o uso de qualquer medicamento sem consultar o seu médico previamente.

Na verdade, certos medicamentos podem ou não interferir na dosagem de parâmetros bioquímicos específicos, a depender da metodologia empregada para a sua realização. Em geral, a interferência de um fármaco pode se dar a partir de duas maneiras: in vivo, produzindo alguma alteração fisiológica no paciente, ou in vitro, agindo como um interferente analítico na amostra colhida.

Interferências biológicas, ou in vivo, são mais previsíveis e facilmente identificáveis por médicos clínicos, bastando-se conhecer o mecanismo de ação do fármaco no organismo. Pacientes que fazem uso de anticoagulantes como a varfarina, por exemplo, apresentam aumento do tempo de protombina, já esperado. Pacientes que fazem uso recorrente de metformina tendem a apresentar baixos níveis séricos de vitamina B12. Por outro lado, os efeitos causados por medicamentes como anti-hipertensivos e glicocorticoides sobre o balanço de sódio e de potássio no organismo podem ser mais difíceis de prever. Os diuréticos podem acarretar alterações como hipernatremia (diuréticos de alça), hiponatremia (tiazídicos), hiperpotassemia (poupadores de potássio) e hipopotassemia (diuréticos de alça e tiazídicos).

Já alterações de coloração no soro ou no plasma colhido como amostra provocada por inúmeros tipos de medicamentos é um exemplo de interferência in vitro. A mudança de cor pode interferir no resultado de muitos testes laboratoriais que são realizados por espectrofotometria, que dependem da intensidade da cor em uma solução após reação química para o cálculo das concentrações de analitos.

Outro exemplo, é quando o próprio fármaco é dosado equivocadamente como analito no soro ou no plasma, seja devido a uma semelhança estrutural ou até mesmo pelo fato de conter a molécula analisada em sua formulação, como na dosagem de níveis séricos de potássio em pacientes que fazem uso de benzilpenicilina potássica.

Outra forma de interferência dos medicamentos é a alteração do funcionamento das enzimas, como é o caso da Rifampicina, indutor do sistema enzimático P450, capaz de aumentar o metabolismo hepático. O rim é outro órgão que também pode ser afetado por ser altamente suscetível a alterações metabólicas, como formação ou excreção acelerada ou retarda de substâncias, supressão ou estimulação de enzimas metabólicas e competição por sítios de ligação, fatores que podem alterar o clearence de creatinina e os níveis de creatinina sérica, os principais marcadores laboratoriais da função renal.

Alguns Exemplos de Exames e de Interferentes
Exames Medicamentos/Drogas
FSH e LH Corticosteroides, outros.
TSH Corticosteroides, propranolol, amiodarona, metoclopramida, outros.
Prolactina Amitriptilina, metoclopramida, haloperidol, outros.
Testosterona Diazepam, digoxina, outros.
T4 livre Propanolol, amiodarona, fenitoína, carbamazepina, outros.
Renina Furosemida, nifedipino, outros.
Bilirrubina Acetaminofeno, amiodarona, carbamazepina, outros.
Glicose no sangue Furosemida, hidroclorotiazida, metronidazol, outros.
Glicose na urina Vitamina C.
Triglicérides Propanolol, álcool, outros.
Fosfatase alcalina Cefalexina, eritromicina, fenitoína, outros.
Potássio Captopril, corticosteroides, furosemida, outros.

Escrito por: Igor Moreira de Almeida

 

Referências Bibliográficas:

Brasil. Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná. Interação de Fármacos com exames de laboratório. Boletim epidemiológico do Centro de Informação sobre Medicamentos (CIM), Paraná. Edição N. 04, Ano XV, 2018. Disponível em: <https://www.crf-pr.org.br>. Acesso em: 28/03/2020.

Brasil. Ministério da Saúde. Consumo de medicamentos: um autocuidado perigoso. Disponível em: <http://www.conselho.saude.gov.br/>. Acesso em: 28/03/2020.

Factors That Can Affect Laboratory Investigations. Nova Zelândia, Best Tests, v. 26, abr. 2015.

BEZERRA, L. A., MALTA, D. J. N., Interferências Medicamentosas em Exames Laboratoriais. Cadernos de Graduação. Recife, v. 02, N. 03, p. 41-48, jul. 2016.

 

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